"Eles se movem como o sol e a lua. São nômades. Ou, antes, são como as ondas, estão em toda a parte. Chegam e partem rápido. Parecem o vento. Num momento estão aqui, no outro, sumiram. Numa lufada, deixam traços indeléveis de sua passagem no eco de sua música, no relinchar de seus cavalos, no sorriso alegre de suas mulheres. Não, não são o vento, são os filhos do vento!"
(Poema persa, 200 a 400 anos a.C. Autor anônimo)
Todo cigano venera um deus (Del/ Devel/ Baro Devel) e crê na entidade do mal (Beng). No entanto, mantém que antes de Del, O Deus (masculino) existir, já existia a Terra (phu), o universo. Ela é a Divina Mãe (De Develeski) de todos os ciganos. Nisto reconhece-se um traço do matriarcado primitivo. Por outro lado, o termo "Kar", que originalmente designa o órgão sexual masculino, é estendido a tudo que cria alguma coisa.
Mas o cigano não está preso a uma religião, mas sim a uma espiritualidade. Embora, para fins práticos, tenham adotado as religiões daqueles com quem entraram em contato, a religião formal é frequentemente complementada pela fé no sobrenatural, em presságios e maldições. Esse conjunto de superstições varia entre os diferentes grupos ciganos, mas, em certa medida, é um fator presente na vida de todos eles.
Os ciganos acreditam em seus poderes, como exemplificado pelo uso de maldições (amria), e rituais de cura. Eles praticam a adivinhação apenas para o benefício dos gadje e como fonte de sustento, mas não entre si.
Tradicionalmente, ao longo da história, o povo cigano tem sido associado à adivinhação (quiromancia, leitura de folhas de chá, cartomancia, bola de cristal, entre outros). As mulheres ciganas, desde que conhecemos algo da história cigana, têm sido adivinhas. Elas praticavam adivinhação na França e na Alemanha já em 1414, e nunca abandonaram a prática.
Há duas palavras usadas pelos ciganos para adivinhação: dukkering, que é a modificação de uma palavra valaco-esclavônica que significa algo espiritual ou fantasmagórico. E bocht, que é uma palavra persa que significa ou está conectada ao sânscrito "bagya", que significa destino. Para o cigano do Leste Europeu, o Espírito Santo é chamado Swentuno Ducos.
Na Europa Ocidental, a adivinhação geralmente é feita por leitura de mãos, enquanto na Europa Oriental, grãos de café são frequentemente jogados para formar um padrão. A adivinhação foi uma das ocupações mencionadas nos primeiros relatos dos Roma — por exemplo, em 1422 na Bélgica e no mesmo ano na Itália. O primeiro registro de quiromancia na Inglaterra é de 1530. A arte provavelmente se originou na Índia.
A cigana adivinha é chamada Drabardi, menos cuidadosa em relação a um bruxo Rom (Chovihano), chamado Drabarno.
Amuletos, amuletos e talismãs de boa sorte são comuns entre os ciganos. Eles são usados para prevenir infortúnios ou curar doenças. A curandeira que prescreve essas curas ou medidas preventivas tradicionais é chamada de drabarni ou drabengi. Alguns ciganos carregam pão nos bolsos como proteção contra a má sorte (bibaxt), e espíritos (mullos). Ferraduras são consideradas sinal de boa sorte (baxt) por alguns ciganos, assim como por outros.
Como os ciganos acreditam que a doença é uma condição não natural, chamada prikaza , existem muitas maneiras sobrenaturais pelas quais eles acreditam que a doença pode ser prevenida ou curada. Um dos vários métodos para baixar a febre é sacudir uma árvore jovem. Dessa forma, a febre é transferida do corpo da pessoa doente para a árvore. Várias ervas (Drab, "medicina") são usadas para a prevenção ou cura de várias doenças. A fitoterapia pode ser praticada por ambos os sexos. Algumas dessas ervas, chamadas sastarimaskodrabaró, na verdade têm valor medicinal, além de suas qualidades sobrenaturais.
Zoltan Sztojka, cartomante cigano húngaro
O conceito de adivinhação contém vários elementos independentes que são erroneamente agrupados. Um elemento é a previsão do futuro, chamada drabaripé ou drabarimós. Outro elemento está relacionado aos poderes de cura, que os ciganos praticam entre si. Os elementos de cura da adivinhação são chamados de "aconselhamento". Ambos os elementos são baseados na crença no sobrenatural.
São ligados à magia, usam velas e incensos, leem a mão, cartas de baralho, e adivinham o futuro na borra de café (cafeomancia), com pedrinhas e grãos, bola de cristal, patacas (moedas) e até com dominó e dados (cleromancia). Para os ciganos, tudo na vida é "maktub" (destino, 'está escrito'), por isso são atentos observadores do céu e verdadeiros adoradores dos astros.
As crenças dos ciganos variam de país para país e de tribo para tribo, mas muitas crenças são comuns aos ciganos em todos os lugares, variando apenas no grau em que são observadas ou praticadas. Os ciganos sempre impuseram uma separação cultural e social da sociedade gadjé para manter a força social e cultural. Eles não querem fazer parte de sociedades que envolvam o comprometimento de suas crenças básicas.
São muito supersticiosos - o sangue alheio não se deve nem olhar, nem tocar; os homens ciganos não relacionam-se sexualmente com suas mulheres quando estas estão menstruadas. Temem e combatem, com cerimônias, os vampiros (dhampir) e mullôs (almas penadas). Acreditam que os espíritos daqueles que foram maltratados ou descuidados antes de morrer voltam em forma de vampiros para molestar aos vivos.
Quando um cigano morre, todo o acampamento se reúne para prestar as últimas homenagens ao falecido e também para ajudar com os preparativos do funeral. Os ciganos acreditam que a alma vive no corpo de uma pessoa somente até sua morte. Depois disso, ela vaga pela Terra por 40 dias e depois vai para a "terra dos mortos". Portanto, ela precisava receber tudo o que era necessário para viver em outro mundo. É claro que, no passado, quando os ciganos eram nômades, eles enterravam os mortos onde a morte os alcançava - no cemitério da aldeia mais próxima ou até mesmo na floresta. Após o início da vida sedentária, os ciganos tiveram a oportunidade de se reunir regularmente nos túmulos de seus ancestrais.
Os ciganos não descuidam de vários presságios e lendas. Por exemplo, existe a crença de que após o pôr do sol, vários espíritos caminham pela terra, e jogar lixo fora à noite é imprudente, pois há o risco de atingir algum espírito que, ofendido, pode tirar sua sorte.
Olhando para a lua nova, você pode virar uma moeda no bolso e então parar de olhar para o corpo celeste: você pode esperar dinheiro em breve.
Durante o casamento, a noiva segura uma moeda de prata na mão esquerda, que ela deixa cair, como se por acidente, no final da cerimônia. É assim que ela compra seu casamento do mau-olhado do Diabo.
Acredita-se que o nascimento de uma criança ocorre na presença de forças boas e más e, portanto, é costume que os ciganos acendam uma grande fogueira na entrada da tenda com o bebê para espantar os maus espíritos de seu batismo (borrifando água salgada e dando um nome).
A magia é um fenômeno místico universal. É o ato de transformar. Louvam as forças da natureza, a luz da lua, do sol, o fogo, a fumaça e as brasas da fogueira e outras forças etéricas, que estão sempre prontas a ajudar. Para a magia dar certo, o primeiro ingrediente é a fé. Toda magia tem que ter uma forte razão para ser feita; manipulada com amor e carinho, o pedido será aceito.
Os ciganos adotam a religião do país que os acolhe. Assim, no Brasil temos ciganos católicos, evangélicos, umbandistas, protestantes, etc. No Brasil, cultuam Nossa Senhora Aparecida pela semelhança física com Santa Sara Kali, e por ambas terem saído das águas.
Alguns dizem que ela era uma escrava que serviu à família de Cristo; outros dizem que ela era sua filha, concebida por Maria Madalena em segredo. Outras lendas a ligam a Kali, a deusa hindu de pele escura. Inclusive todos os anos, no final de maio, milhares de ciganos peregrinam à cidade costeira de Saintes-Maries-de-la-Mer — as Santas Marias do Mar — no sul da França, onde fica seu santuário e onde o rio Ródano encontra o Mar Mediterrâneo, para venerar Sara em um ritual que lembra o culto a Kali, deusa-mãe hindu.
Na Europa pré-humanista, os cristãos perseguiam os ciganos como "adoradores do diabo" devido às suas crenças religiosas. Os ciganos não criaram Sara Kali, mas, na sua luta para se assimilarem e se encaixarem na dogmática sociedade cristã católica europeia, associaram a sua deusa-mãe à figura obscura de Santa Sara. Para os ciganos, Sara Kali passou a personificar a resiliência. Com o tempo, as suas origens como deusa hindu foram ocultadas. Até o nome Sara é encontrado em relação a deusas-mãe como Durga e Kali na escritura hindu Durgasaptashati, do século III.
Sara Kali teria sido uma das primeiras ciganas a receber a revelação. Nobre de nascimento, era a chefe de sua tribo nas margens do Ródano. Conhecia os segredos que lhe foram transmitidos de geração em geração. Os ciganos daquela época praticavam a idolatria e, uma vez por ano, carregavam nos ombros a estátua da deusa Ishtar (Astarte) e entravam com ela no mar para receber uma bênção. Mas um dia Sara tivera uma visão que lhe mostrou a chegada dos santos que estiveram presentes na morte de Jesus, e que ela deveria ajudá-los - Maria Jacobina (irmã da Virgem Maria), Maria Salomé (mãe dos apóstolos Tiago e João), Maria Madalena, Marta, Lázaro e Maxíminio. Sara os viu chegando num barco. O mar ficou furioso e o barco ameaçou afundar. Sara jogou o vestido nas ondas e, usando-o como jangada, ajudou-as a chegar à terra.
Além disso, os ciganos ainda praticam o Shaktismo - a adoração de um deus através de um consorte - neste caso, a deusa Kali, sincretizada como Sara Kali, e o deus Shiva. Quando adoram o Deus cristão, os ciganos o fazem através da Virgem Maria ou de Santa Ana (a qual chamam Cigana Velha).
Santa Sara é venerada juntamente com as Santas do Mar, as Marias, de quem fora companheira e serva. Também é mencionada nos evangelhos apócrifos, num texto escrito entre os séculos I e II, como uma entre as santas mulheres que foram ao túmulo do Senhor no Dia da Ressurreição. Dir-se-á que Santa Sara está entre as mulheres perfumadas. A tradição também guarda o fato dela ser egípcia, o que de alguma forma explicaria porque é hoje venerada como a santa dos ciganos - se tivermos em conta a teoria segundo a qual a palavra "gypsy" é uma deformação da palavra Egito. Assim eram chamados os primeiros ciganos quando chegaram à França no século XV.
Depois de Santa Sara, São Zeferino é o segundo santo mais importante para a espiritualidade cigana, beatificado em 4 de março de 1997 pelo Papa João Paulo II. Outro santo importante é Durdevan, uma interpretação cigana de São Jorge na Bulgária, Rússia e Macedônia. Na Croácia e na Eslovênia chama-se Jurjevo.
Há também Tia Bibi ou Matusa Bibi, uma santa não canonizada, celebrada como curandeira e protetora da família, mas acima de tudo guardiã da saúde das crianças. É um feriado religioso dos ciganos ortodoxos da Sérvia e Montenegro, bem como de todo o mundo, conhecido como Bibijako Djive. Geralmente é ligado ao feriado da Páscoa.
A palavra sérvia "Slava" significa “celebração”. É uma tradição cristã-ortodoxa dos sérvios, um ritual para glorificar o santo padroeiro de uma família. Este padroeiro especial também é comemorado no Dia de Todos os Santos. Trata-se de um evento social relacionado ao patriarca da casa. Por ocasião deste dia, todos são bem-vindos e convidados. O santo da família é herdado do patriarca, de pai para filho, enquanto as mulheres adotam os padroeiros dos maridos.
No folclore cigano, as "Mulheres Brancas", também conhecidas como Ursitori, são um grupo de três fadas ou espíritos femininos do destino. Uma delas é boa, a segunda é imparcial e a terceira tenta prejudicar as pessoas. A rainha delas é Matuya, que usa pássaros gigantes chamados charana.
Elas decidem o destino de uma criança no terceiro dia após o nascimento. Nesse dia, a mãe ou uma pessoa mais velha ou da família prepara um pão semelhante a uma hóstia e coloca três pedaços e três taças de vinho ao redor da criança, em intenção às três fadas que a visitarão, para designar a sua sorte e sussurrar o nome verdadeiro da criança. Este nome será mantido em segredo pelos pais e pela criança até se tornar adulta, porque em muitas culturas o nome representa poder. Esse pão e vinho será repartido no dia seguinte com todos as pessoas presentes, principalmente com as crianças.
Por fim, há o deus Zurvan, surgido há 3.000 anos na religião da antiga Pérsia, onde foi o primeiro princípio, o primeiro deus, o Criador. Dele surgiram dois gêmeos antagônicos - Ahura Mazda, o bom, e Angra Mainyu, o mau. Zurvan era o deus do tempo e do espaço infinitos, o Uno, o Único, um deus transcendente, sem distinção entre o bem e o mal. Os ciganos assumiram esse deus na forma de "Noroc", o deus da Sorte. Este deus era conhecido no período medieval porque muitos sacerdotes proibiam o seu uso, bem como o desejo de “boa sorte!” usado como uma saudação.
LIBERDADE
"Ser cigano é nunca temer a liberdade do risco de viver".
"A liberdade é o bem mais precioso que possuímos. Não se aprisionem em dores passadas, em relações que drenam a sua luz, ou em medos que paralisam seus passos. A vida é movimento, é dança, e cada um de nós carrega dentro de si a chama da transformação. Não tenham medo de mudar, de seguir novos caminhos, pois a estrada sempre se revela àqueles que têm coragem de caminhar com o coração aberto. Lembrem-se: só quem se liberta pode realmente voar". (Cigana Carmencita)
Uma característica marcante do povo cigano é a liberdade, em relação às nacionalidades, aos padrões sociais e aos preconceitos que escravizam. Os ciganos são poeticamente denominados “Filhos do Vento”, por sua liberdade, fluida mobilidade e errância, sempre ao sabor do vento, percorrendo os quatro cantos do mundo em sua mágica trajetória. Profundos conhecedores dos caminhos, em sua saga milenar vêm recolhendo conhecimentos iniciáticos de todas as culturas e tradições.
Outra característica marcante é o seu conhecimento magístico e curandeiro, principalmente nos campos da saúde e do amor. É lendária a vidência de seus magos e sacerdotisas, que utilizam o elemento espelho para refletir o Tempo, a memória ancestral, os conhecimentos, a arte da cura e dom da vidência. Por meio das cartas ou outros suportes materiais como bolas de cristal, estrelas do mar e simples copos de água, o futuro, o presente e o passado desdobram-se no vórtex temporal de suas visões.
Regidos pelo Tempo e pelo espaço, o povo cigano se move livremente, tanto no espaço como no tempo.
Na tradição cigana, o ser humano é constituído de três partes: um corpo que apodrece, um espírito que permanece e um corpo intermediário, que liga um ao outro. Acreditam que o corpo humano é considerado puro da cintura para cima e impuro da cintura para baixo. É por isso que a parte da cintura para baixo deve estar permanentemente coberta, tanto para mulheres como para homens. Portanto as mulheres usam saias longas e os homens calças compridas, sendo os joelhos e os pés considerados as partes mais indecentes do corpo humano.
Os ciganos trabalham muito com as cores, que para eles tem um significado especial, cada uma tem o seu valor próprio. Eles primam sempre pelas cores mais vivas e que emanam maior vibração. Os ciganos não simpatizam com a cor preta e usam-na o mínimo possível, salvo se for de fundo ou que não ocupe lugar de grande destaque. Cada espírito cigano pode ter uma cor de vibração com a qual trabalhe mais. Essas cores são representadas nas velas, roupas e outros elementos utilizados durante os trabalhos magísticos.
ÉS LIVRE (Khalil Gibran)
És livre na luz do sol
e livre ante a estrela da noite.
E és livre quando não há sol,
nem lua, nem estrelas.
Inclusive és livre quando fecha os olhos
a tudo que existe.
Porém és escravo de quem amas,
pelo fato mesmo de amá-lo.
E és escravo de quem te ama,
pelo fato mesmo de deixar-te amar.
O OLHAR CIGANO
"Ver é transpor as barreiras da carne". (Hatiss, o cigano)
O que impressiona em primeiro lugar num cigano, é o seu olhar. Nem vestuário, nem a língua e os costumes denunciam melhor o cigano do que seus olhos. É impossível descrevê-los, pois não são grandes nem pequenos, mas tem mistério! É uma estranha expressão, que para entender deve ser vista. Um olhar sempre fugidio, mas apesar disso se fixa num certo instante. Um olhar cheio de paixão, mas de uma paixão contida, retida entre as pálpebras, que deixam passar um magnetismo que só o cigano possui. A estrela de cinco pontas representa o poder magnetizador do olhar e os cinco sentidos.
Os ciganos têm usos e costumes peculiares: Se nômades, usam roupas estampadas, dentes claros e alguns dourados, tranças nos cabelos. Os ciganos geralmente deixam o cabelo crescer, evitam cortes de cabelo muito curtos. Cabelo curto entre os ciganos é um símbolo de desonra, exclusividade dos ciganos que eram exilados e isolados.
Têm moral especial sobre virgindade, amor aos filhos, respeito aos velhos, danças celebrando a vida, leitura de sorte, etc. Se sedentários ou seminômades, trajam-se como gadjé, os não-ciganos. Tais detalhes variam, enfatizados ou minimizados por certos autores. Entretanto, há um ponto em comum: o poder do olhar cigano. Qual seja um olhar de que não se esquece facilmente, um olhar que escrutina nossa alma, que desvenda nossos mais secretos pensamentos.
Segundo Eugene Pittard, encontram-se entre os ciganos, com freqüência, homens muito escorreitos e mulheres muito belas. A sua tez ligeiramente trigueira, o cabelo de azeviche, o nariz direito e bem formado, os dentes brancos, os olhos castanhos muito abertos, de expressão ora viva, ora lânguida, a elegância em geral da sua postura e a harmonia dos seus movimentos colocam-nos bem acima de muitos povos europeus no que se refere à beleza física.
Quanto ao olhar dos ciganos, era tido mais do que um elemento de sua aparência física; era como tendo uma dimensão transcendental. Numa sociedade que transmitia seus saberes, tradicionalmente, por forma oral, o olhar é o ponto de partida para a compreensão entre as pessoas. Além disso, era através dele que se confirmava um compromisso (negócios ou casamento, por exemplo) depois da palavra dada, olhando-se nos olhos do cliente ou do outro cigano.
Os ciganos foram, não se sabe a partir de quando, considerados como portadores de um olhar mágico e poderoso, capaz de despertar paixões e lançar maldições. Este olhar se caracterizaria, não só pelo exotismo dos olhos com grandes pupilas, mas também por uma certa magia na forma de fixá-los. No século XIX, tal imagem ganhou mais relevância graças ao movimento romântico.
Na obra Tradições ocultas dos ciganos (página 27), Pierre Derlon cita:
... a faculdade do “olhar” pode servir a finalidades defensivas ou mesmo agressivas; entretanto, é freqüentemente utilizado pelos feiticeiros (kakus) para apaziguar ou incutir confiança no próximo.
Só um Kaku (tio feiticeiro) pode ver a aura do outro. Tal como os hindus, os ciganos acreditam nos poderes latentes nos olhos, no terceiro olho (entre as sobrancelhas).
Cristina da Costa Pereira, em seu livro Povo Cigano, à página 92, diz:
O olhar para o cigano é fundamental em suas mais diversas relações com as pessoas: amor, negócios, práticas místicas, etc. Eles consideram que o olhar nos olhos é a melhor maneira de se conhecer a pessoa com quem se está falando. Eles costumam dizer que a leitura do olhar é “conhecimento intuitivo que todos ciganos têm” [...]
A LUA
No plano psíquico a Lua representa nosso inconsciente, nossas emoções.
Cada uma de suas fases influencia de forma sutil nossa sensibilidade, nossa disposição, e portanto, nossas atividades.
Lua Nova
É o momento de germinação, da busca de novos caminhos. Ficamos mais introspectivos e indecisos. Não é um bom momento para tomarmos decisões. É a época de deixarmos amadurecer nossos propósitos e ideais.
Lua Crescente
Nossas ideias e emoções tornam-se, pouco a pouco, mais claras. Ficamos mais objetivos. É o momento de colocarmos em prática o que planejamos. Tornamo-nos mais sociáveis.
Lua Cheia
Simboliza a plenitude. Ficamos mais receptivos. Nosso inconsciente aflora mais facilmente. Tudo que planejamos chega ao seu nível máximo de potencialidade.
Lua Minguante
Este é o período de avaliação daquilo que foi feito. É o momento de terminar tudo que foi iniciado nos ciclos anteriores. Ficamos extremamente sensíveis.
Para o povo cigano, a lua cheia é o maior elo de ligação com o sagrado. Sendo grandes observadores do céu, reverenciam a lua cheia como madrinha. Realizam mensalmente festivais de consagração, de imantação de objetos, reverenciam sua força dançando em torno de fogueiras acesas. A Lua dá energização de paz e amor.
Através da dança, a cigana entra em transe e, como se transportada, "viaja" na força da claridade da lua, recebendo toda energia e forças espirituais que faz com que sua intuição aguce cada vez mais. Quando volta a colocar os pés na terra, sente que está preparada para mais uma jornada em sua vida. Com os cabelos soltos e pés descalços, recolhe em seu oráculo, onde reserva um espaço muito especial.
Sobre uma mesa com uma toalha bordada ou um xale, é colocado um castiçal, conchas, figa, punhal, moedas de ouro para atrair riqueza e incenso para purificar e afastar os maus espíritos. Nas cartas, a cigana adivinha e fala de amor, trabalho, dinheiro, filhos e situações familiares. Em sua bola de cristal, está a energia e a lembrança da luz da lua, formando assim, essa mistura mágica que lhe dá a vidência e sabedoria para decifrar o destino de seus consulentes.
(Na foto, casamento cigano: os noivos tendo as mãos cortadas e amarradas juntas para se unirem pelo sangue)
Magia de fortalecimento de sentimentos de casal:
" Pela força da fogueira, pela força da panela de ferro com brasas, pela magia, pela maior das energizações que é a da lua cheia, pedimos a união e a paz para esse casal."
Os ciganos têm capacidade de emitir energia na direção exata, no objetivo certo, e de empregar técnicas de respiração, como na Ioga. Têm controle de percepção mental, tentando adivinhar o que o outro está pensando. Domam animais ferozes sem usar métodos violentos de condicionamento, utilizando a voz e os olhos.
O elemento Fogo é muito significativo na cultura cigana; representa o início e o fim da existência do homem. Por limpar e transmutar as energias negativas, é usado em todo ritual de magia sob forma de vela, carvão queimando, pira ou fogueira. Suas chamas são ideais para concentração, viagens astrais, meditações e o desenvolvimento da intuição.
Também os passes magnéticos, arte dos curandeiros, dos magnetizadores. Tensões, enxaquecas, irritabilidade e histerias podem ser aliviados com alguns passes. O magnetizador opera com as mãos na forma de garras, tendo em cada dedo um elemento representando: sol, selo de Salomão (estrela de 6 pontas), Vênus (estrela de 5 pontas), lua (cheia, minguante e crescente), equivalente planetário simbólico:
Polegar: representa o sol; Indicador: lua crescente. Médio: lua cheia. Anular: lua minguante. Mínimo: planeta Vênus.
São inúmeros os espíritos ciganos que alcançaram lugar de destaque no plano espiritual, dentre os mais conhecidos podemos citar:
Cigana Carmen - É protetora dos que sofrem de mal de amor, acolhe e consola os abandonados. Espanhola, viajou por quase todos os países de idioma hispânico e inspirou vários amores. É linda, vaidosa, grande dançarina de flamenco. Amorosa e determinada.
Cigana Carmencita - Espírito extrovertido, alegre, brincalhão. Fala alto, ri muito, é extremamente vaidosa. Faz magia utilizando-se de frutas, flores, verduras, ervas e água. Gosta que tenha incenso de jasmim ou rosas, quando vem à Terra. Bebe tequila e fuma cigarro com filtro amarelo. É muito pedichona, e um tanto interesseira, sempre que faz alguma coisa para alguém, pergunta o que vai ganhar em troca. É muito procurada, pois raramente não obtém êxito com suas magias.
Cigana Madalena - De origem árabe, viajou por todo Oriente Médio e Índia. Foi muito reprimida, e tem grande amor e paciência para orientar os que dela precisam. Suas magias são de fundamentos árabes e indianos. Cigana linda, adora dançar e se soltar, encantando à todos.
Cigano Wladimir - Este cigano é "do mundo". Protetor do trabalho, consola e ajuda à todos. Cigano imperioso e trabalhador, gosta das coisas boas da vida, que depois do trabalho seriam: mulher, música e comida. Responsável, falante e guerreiro, os que não tem medo de lutar podem ir até ele.
Cigano Manolo - De origem italiana, viajou pela Ásia e Turquia, entre outros lugares; as comidas árabes são as suas favoritas. Detém a magia das palavras, gosta de cores fortes, usa bolero, camisas de seda. "Agarra" numa conversa como ninguém, e dá aos seus protegidos o dom da oratória. Manolo aconselha com justiça e força. Apesar de exigente, é carinhoso, uma sábia companhia.
Ciganos e Espiritualidade: As Tradições Místicas do Povo Roma
O povo Roma, frequentemente chamado de cigano, há muito é associado a um estilo de vida místico, que combina costumes ancestrais, práticas espirituais e uma profunda conexão com o mundo natural e o invisível.
Um Espírito Nômade: Conexão com a Natureza e a Liberdade
Um dos principais elementos espirituais da cultura cigana é sua conexão com a Terra e a liberdade de um estilo de vida nômade. Vivendo tradicionalmente próximos à natureza, os ciganos desenvolveram uma compreensão intuitiva dos ritmos da Terra, dos ciclos da lua e dos poderes dos elementos. Essa proximidade com a natureza forma a base de muitas de suas práticas espirituais, que se baseiam na sabedoria telúrica, honrando o sol, a lua, as estrelas e as mudanças sazonais.
O conceito de liberdade é central para a espiritualidade cigana — liberdade de restrições materiais, de locais fixos e de normas sociais rígidas. Essa abertura permite fluidez na expressão espiritual, onde as práticas podem se adaptar e evoluir com o ambiente.
AS CIGANAS E DRABARIMÔS
Por que as ciganas praticam Drabarimós (adivinhar com o objetivo de obter alguma compensação em dinheiro ou itens)
Um dia, O Del (Deus para os ciganos) advertiu todos os ciganos a deixarem seu país, pois Ele iria punir o rei dos Gadje (os não-ciganos) e seu povo. Os anciãos ciganos estavam preocupados, porque não tinham nada para a viagem. Então, O Del disse: "Vocês irão conseguir o que precisam para a viagem se enviarem suas esposas para pedir dinheiro, comida e roupas às mulheres Gadje, porque eu atordoarei suas mentes e elas não negarão às sua esposas tudo o que pedirem. Então vocês conseguirão deles o que precisam para pagar sua peregrinação ao redor do mundo".
Este é um mandamento que os ciganos guardam desde a Antiguidade, pois ainda não terminaram sua jornada...
Adivinhação: A Arte de Adivinhar a Fortuna
Talvez a prática espiritual mais conhecida associada à cultura cigana seja a adivinhação (Drabarimos, que se traduz como medicina espiritual). Durante séculos, as mulheres ciganas foram reverenciadas por sua habilidade em adivinhação, utilizando ferramentas como cartas de tarô, bolas de cristal, quiromancia e leitura de folhas de chá (tasseografia). Essas práticas não são meramente ferramentas de entretenimento, mas são consideradas maneiras de acessar reinos invisíveis, oferecendo orientação e insights sobre o futuro.
- Cartomancia: Embora a cartomancia seja praticada por muitas tradições espirituais hoje em dia, ela está historicamente ligado às mulheres ciganas, que eram frequentemente vistas como sábias ou videntes. O Tarô e o baralho Petit Lenormand são usados para responder a perguntas, obter clareza e oferecer orientação espiritual com base nos significados simbólicos das cartas.
-Quiromancia: Acredita-se que o povo cigano tenha transmitido a antiga arte da leitura de mãos ou quiromancia. Os quiromantes acreditam que as linhas e formas das mãos refletem o caráter e o destino de uma pessoa, oferecendo um vislumbre do passado, presente e futuro.
- Contemplação com Bola de Cristal: Conhecida como vidência, a vidente cigana costuma usar uma bola de cristal para acessar mensagens do mundo espiritual ou para obter conhecimento oculto divino. A bola atua como uma ferramenta de foco, permitindo que o vidente entre em estado meditativo e receba visões ou mensagens intuitivas.
Essas formas de adivinhação estão profundamente ligadas à espiritualidade cigana, enfatizando a crença no destino, na sorte e na importância da intuição.
Magia e Rituais
O povo Rom também está associado a diversas formas de magia e rituais populares, frequentemente centrados em proteção, cura e bênçãos. Essas práticas são transmitidas de geração em geração e estão imbuídas de símbolos, cânticos e elementos naturais.
Crenças Espirituais e Ancestrais
A espiritualidade cigana frequentemente enfatiza a importância dos ancestrais e a crença em espíritos que continuam a existir após a morte. Honrar os espíritos de entes queridos falecidos é um aspecto central de sua prática espiritual, e é comum que os ciganos busquem orientação ou proteção de seus ancestrais.
- Culto aos Ancestrais: O povo cigano tem profunda reverência por aqueles que se foram, acreditando que seus espíritos permanecem presentes e influentes na vida dos vivos. Os rituais para homenagear os mortos podem incluir acender velas, oferecer comida ou fazer peregrinações a locais sagrados ligados aos seus ancestrais.
- Comunicação Espiritual: Semelhante a outras tradições místicas, as práticas espirituais ciganas frequentemente envolvem a comunicação com o mundo espiritual. Isso pode ocorrer por meio de médiuns ou durante rituais específicos destinados a buscar orientação de almas que partiram.
O papel das mulheres na espiritualidade cigana
Na cultura cigana, as mulheres ocupam um lugar especial na vida espiritual. As chovihani, ou mulheres sábias, são frequentemente as guardiãs do conhecimento espiritual, responsáveis pela cura, adivinhação e proteção da família por meios mágicos. Essas mulheres são vistas como líderes espirituais, frequentemente conduzindo rituais e servindo como intermediárias entre o mundo material e o reino espiritual.
Festivais e celebrações espirituais ciganas
Na cultura cigana, celebrações e festivais são imbuídos de significado espiritual. Muitos desses eventos giram em torno dos ciclos da natureza, como a mudança das estações, as fases da lua e a colheita. Santa Sara (Sara Kali), padroeira do povo cigano, é especialmente venerada durante os festivais.
- Peregrinação a Santa Sara: Um dos eventos espirituais mais significativos é a peregrinação anual ao santuário de Santa Sara em Saintes-Maries-de-la-Mer, França. Esta peregrinação é um momento de reflexão espiritual, orações e celebração da identidade e cultura cigana.
- Celebrações da Lua Cheia: O povo cigano costuma realizar cerimônias espirituais durante a lua cheia, um momento considerado ideal para manifestar intenções, aprimorar habilidades psíquicas e se conectar com a energia feminina divina.
O povo Cigano nos lembra da profunda conexão entre a natureza, a intuição e o mundo espiritual, oferecendo insights atemporais sobre os mistérios da vida, da morte e das forças invisíveis que nos guiam. Por meio de sua sabedoria espiritual, somos convidados a acolher nossos próprios dons intuitivos, conectar-nos com as energias da Terra e honrar a magia da vida cotidiana.