segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

A consciência mística dos ciganos


“A religião do cigano é a seguinte: Deus prá gente é o sol, é o nosso Cristo, é o que dá a iluminação. O Sol é o pai e a Terra é a mãe, a que dá tudo prá nós. Cria e trata dos filhos”.    (Anita, vovó cigana Matchuaia, leitora de buena dicha)

 

   Secularmente tratados como bruxos, tendo sido inclusive muitos deles queimados nas fogueiras da “Santa” Inquisição como parceiros do Diabo (obviamente por terem ameaçado com seu poder espiritual o prestígio da Igreja Católica), em verdade os ciganos são um povo místico, basicamente panteísta, cujo visionarismo implica em exercitar as percepções sensoriais em consonância com as percepções extra-sensoriais. O cigano é um povo que sempre deu importância à intuição e à premonição.

É um povo espiritualista por excelência, ainda que ignore quaisquer definições de religião e não saiba teorizar sobre religiosidade. O respeito religioso é um valor de que os ciganos se orgulham e faz parte de sua essência. Isto pode ser atribuído, em parte, à sua ascendência oriental, onde religião e superstição se misturam e também a um dado cultural fortíssimo presente na cultura cigana ainda hoje: a crença em algo superior que protege e orienta constantemente as criaturas terrenas.

A integração corpo-espírito os faz conscientes de sua passagem pela Terra (o que, através do nomadismo, assumem literalmente) e os torna desapegados do acúmulo obsessivo de bens materiais e, portanto, mais felizes, mais fortes.

Quantas vezes nos perguntamos de onde este povo, tão discriminado, perseguido e humilhado (Guerra Civil Espanhola e Nazismo, só para citar dois tristes exemplos mais recentes) retira tanta alegria de viver? Através da observação da importância do misticismo e da espiritualidade no dia-a-dia dos ciganos, achamos a resposta.

Através da natureza, os ciganos reconhecem Del. Daí sua integração absoluta com ela, ou seja, “as coisas de Deus”. Hierarquia religiosa definitivamente não os atrai e se a suportam é somente pela necessidade que os ciganos sedentários têm de sobreviver e ser aceitos nos lugares em que vivem. Mas Deus, suas vibrações no planeta Terra e os ciganos são velhos camaradas.

A Magia

   É inegável que o elemento mágico ocupa um grande espaço no universo cigano. Aqui serão dadas apenas algumas informações nesse sentido, ou seja, alguns aspectos da maior importância dentro da magia cigana:

 

O Olhar

O olhar para o cigano é fundamental em suas mais diversas relações com as pessoas: amor, negócios, práticas místicas, etc. Eles consideram que olhar nos olhos é a melhor maneira de se conhecer a pessoa com quem se está falando.

Os ciganos costumam dizer que a leitura do olhar é “um conhecimento intuitivo que todos os ciganos têm”, mas Pierre Derlon, um gadjo francês que viveu há muitos anos com os ciganos, assim se referirá ao olhar:

“É longo o caminho para desenvolver certas percepções extra-sensoriais e atingir o nível de um kaku – feiticeiro, curandeiro. Os bizarros poderes dos kakus fazem parte de um ramo da medicina cigana que tem mais ou menos algo a ver com a homeopatia, com a medicina psicossomática e pura e simplesmente com a feitiçaria. Entre estas, a faculdade do olhar; este pode servir a finalidades defensivas ou mesmo agressivas; entretanto, é frequentemente utilizado pelos feiticeiros para apaziguar ou incutir confiança no próximo”.


Se há alguma coisa em que os ciganos acreditam é no bibaxt (mau olhado, todo tipo de azar, doenças, padecimentos) tanto que têm pavor do “mau olhado”, que, segundo eles, estaria em consonância com a mente para atuar sobre as pessoas. Para combater, entre outras coisas, o “mau olhado”, eles se valem dos amuletos.

A sacralização dos objetos existe nas tradições místicas de muitos povos. Em relação aos ciganos, os homens e as mulheres costumam sempre ter uma joia (nos homens é muito comum vermos um anel) e não só a título de adorno, já que os ciganos são muito vaidosos de suas joias e roupas.

    Em verdade, certas joias eles as usam “para dar sorte”, “para espantar olho gordo”, como costumam dizer. Geralmente não davam maiores detalhes sobre tais joias, quando se perguntava sobre o metal escolhido, a cor e o formato de determinada pedra, etc. Apenas informavam que eram objetos pessoais, que não podiam ser emprestados, pois foram “trabalhados” especialmente para as pessoas que os usam e que não os venderiam nem que a oferta fosse boa.

Não só as joias seriam objetos rituais, entre os ciganos, pois se referiram igualmente ao tchuri (punhal, navalha, faca), um objeto mágico que alguns grupos ciganos costumam valorizar.

O cigano que possui o tchuri, o recebeu durante uma cerimônia especial (uma espécie de iniciação).  O objeto foi fabricado segundo uma tradição metalúrgica dos ciganos, que eles não revelam a não-ciganos e foi feito especialmente para aquele cigano que deverá usá-lo com responsabilidade e não levianamente. Em caso de um mau uso do tchuri*, o krisnitori (conselho de Justiça) poderá punir o cigano com a destruição de seu objeto ritual e a consequente situação de marimê (impuro, culpado) para o cigano.

*Este mau uso significa pôr em risco o bem estar da tribo do cigano que possui o tchuri e o recebeu ritualisticamente, com o compromisso de assumir a responsabilidade e gozar dos direitos da cerimônia iniciática.


Bibliografia: 

PEREIRA, Cristina da Costa. Povo Cigano. Rio de Janeiro, 1985. Gráfica Mec Editora.