segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Ciganos - Leitura do Pensamento, da Mão e das Cartas

 

Normalmente o cigano aprende a exercitar desde criança a sua intuição, das mais diversas formas, o que muito o tem ajudado em sua sobrevivência. O povo cigano dá muito valor às chamadas percepções extra-sensoriais que já estão incorporadas milenarmente à sua cultura.

As crianças ciganas nômades crescem vendo seus pais e avós em volta das fogueiras1, ou dentro das barracas, lendo a sorte nas linhas da mão2 (quiromancia), nas cartas3 (cartomancia), na borra do café, numa taça de champanhe, no jogo de moedas, etc.

   A par do pragmatismo que a dureza do dia-a-dia os leva a ter, é também pela magia que os ciganos resolvem seus problemas. Mesmo entre os sedentários e que já estão bem afastados das tradições, as práticas intuitivas e mágicas ainda são bem valorizadas.

“O ritual místico dos ciganos é completamente diferente da umbanda, do candomblé. É feito em mandalas, com velas e pombos brancos vivos. E a nossa força está, acima de tudo, na mente. O cigano faz o que ele quiser com a mente. Damos a maior importância a fatos que nem todos valorizam. Para nós, Deus é uma força, uma energia. Deus está em todos os lugares, inclusive dentro de mim”. (Niffer Cortez, cartomante e bailarina cigana)

Os ciganos respeitam tanto suas crenças, que evitam ser jogadores de baralho, porque isto traria mala pajé (má sorte). Os ciganos também consideram de “mau agouro”: derramar azeite, quebrar espelhos, espalhar sal, etc, e não dão, de jeito nenhum, fios de cabelo às outras pessoas.

A magia cigana, de uma maneira mais abrangente, se baseia em dois pontos: o fogo e o som.

 Este som pode ser o do violino, o de um violão, pandeireta ou, por exemplo, o tilintar de moedas. As entidades espirituais ciganas trabalham muito com o som. Através desta ou daquela sonoridade, provocam uma sintonia, uma vibração, de acordo com a energia que querem captar. Trabalham também com a borra do chá, do café e com areia, para a leitura das mãos. Preferem que seus rituais sejam feitos em maior contato com a natureza, isto é, ao ar livre, perto de plantas, mato, de preferência em noite de lua nova. Pedem sempre:

 almíscar, frutas, flores amarelas, cigarrilhas, champanhe e os mais variados objetos de cobre (punhal, anel, recipientes, etc). O cobre, segundo dizem, é um metal que traz boas vibrações, servindo de aparato contra maus fluidos.

O cobre é um metal importante para os ciganos por causa de seus trabalhos como artesãos, caldeireiros, mas apresenta também uma importância mística, sendo uma espécie de metal-amuleto. Usar adornos de cobre, além de enfeitar, serviria de anteparo às energias negativas.

Há uma correlação entre o brilho, a cor do cobre e a luz do sol. Aliás, o sol é uma fonte imprescindível de energia e por isto é muito valorizado pelos ciganos, em nível material e espiritual. Eles só trabalham com o cobre de dia, pois creem que se usarem o cobre à noite, a tribo não progride.

O cigano valoriza o trabalhar sob o sol, quando, ao suar, ele coloca toda a negatividade para fora: a cada minuto há uma renovação física com o calor do sol.

À noite, sob a luz da lua, há possibilidade de uma maior energia contemplativa, é a energia suave, a coisa astral. O cigano está mais ligado, em termos místicos, à noite. Daí ele praticar de noite coisas que elevam o espírito ou facilitam a comunhão entre matéria e espírito: a dança, a música, o canto, a seresta.

O verdadeiro cigano vive misticamente 24 horas por dia. O cigano não é cristão, não é filiado a nenhuma religião. Jesus Cristo, para eles, é o filho da natureza. Eles reconhecem que Jesus, neste sentido, é acúmulo de energias, e Deus, para o povo cigano, é uma energia. Eles percebem esta energia em todas as coisas da natureza. Nela reconhecem Deus. Então, o conceito deles é diferente dos cristãos que acreditam na existência de um Deus com formas definidas, à semelhança de um ser materializado.

 

Por que os ciganos furam as moedas 

Os homens, de uma maneira geral, não sabiam como trabalhar com o ouro nos tempos antigos. Só os ciganos tinham esta capacidade. Eles eram hábeis e talentosos neste sentido. Cada tribo tinha uma identificação pelo número de furos que continham as moedas. Além de identifica-los, os furos nas moedas impediam que elas lhes fossem roubadas. À época dos faraós, estes sequestravam os ciganos para que fizessem adornos de ouro para eles.

 

A importância do número 4 para a cultura dos ciganos 

Uma tribo, entre os ciganos, só pode ser dividida em quatro outras tribos. Por exemplo, casam-se um cigano e uma cigana, forma-se uma nova família, nascem os filhos... Então eles podem se constituir numa outra tribo, mas que está ligada àquela de onde eles se originaram.

São quatro as estações do ano, quatro os elementos da natureza (fogo, água, terra e ar). 

O planeta Terra, em termos de preservação do seu equilíbrio, só pode ser dividido em 4 partes. A figura geométrica do quadrado representa, para os ciganos, o equilíbrio de energias. Já o triângulo é um símbolo místico para os ciganos (o vértice é virado para baixo ou para cima no sentido do que se quer obter, de acordo com as crenças ciganas). O quatro, para o cigano, supre todas as necessidades (no entanto, diz-se que o número sete é a base de todos os sinais secretos dos ciganos). Os ciganos, por tradição (isto é, os nômades, os que preservam seus valores culturais), não ficam num mesmo lugar por mais de quatro estações: justamente o tempo da colheita. No período em que param de trabalhar, aproveitam para se recompor em termos de energia.

Quanto ao nomadismo dos ciganos, eles se locomovem porque, acima de tudo, respeitam a natureza, caminham para cá ou para lá de acordo com a fertilidade da terra. Eles não ficam o tempo todo num mesmo lugar, porque têm consciência de que a terra precisa se refazer em termos de energia. Eles acampam na terra, sugam para si – ao deitar seus corpos sobre a terra, ao colocarem suas carroças e tendas sobre a terra e ao cultivarem a terra – a energia que a terra tem para lhes oferecer. Mas chega o momento da partida, porque a terra também precisa ser renovada.

Para os ciganos, a natureza é fundamental. Têm uma relação fraterna com ela. Se uma planta seca, murcha, eles vão procurar saber o porquê disto, para tratar dela. Eles sabem que há uma interação energética entre homens, plantas e animais. Eles têm conhecimento da energia cósmica.

Em outros tempos, os ciganos tinham entre os dedos dos pés (lugar bem escondido) uma marca, um desenho, espécie de uma tatuagem, para identificar os países de que se originavam. Assim, o cigano da Espanha tinha um desenho, o da Índia, outro desenho, etc.

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1Os ciganos muito se orgulham do domínio e o culto do fogo que faz parte de sua cultura.

2 A mão que se lê é a esquerda, pois simboliza o lado espiritual. A mão direita, que é a parte material, serve somente de apoio e recurso, no caso de uma dificuldade qualquer da leitura da mão esquerda. Também é importante apalpar bem as mãos da pessoa, porque só assim se pode captar melhor os fluidos que ela traz consigo. Segundo Bôri Martinez, cigano Kalderash, é mais raro, mas também podem haver alguns homens ciganos lendo a mão.

3 Segundo Niffer Cortez, a carta do cigano é, em verdade, o baralho comum, e não o Tarot, embora diversas fontes afirmem que os ciganos tiveram o primeiro contato com o Tarot na França e a partir daí o utilizaram como um ofício, incorporando-o às suas tradições. Mesmo que a origem do Tarot não seja cigana, a utilização cartomantica das figuras é, certamente, obra sua.


Bibliografia: 

PEREIRA, Cristina da Costa. Povo Cigano. Rio de Janeiro, 1985. Gráfica Mec Editora.